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Sobre não julgar os livros pela capa

Certas coisas me fazem sorrir. A história que estou prestes a lhes contar, é uma delas. Eu andava apressada por uma Morom fria e escura, quando fui abordada por um sujeito maltrapilho que cultivava longos e emaranhados dreads na cabeça e vestia uma camiseta toda colorida fazendo uma homenagem à psicodelia dos 70's.

"Amiga, preciso de dinheiro pra dormir e comer esta noite. Permita-me te mostrar o meu trabalho".

A forma cortês com que me abordou acabou me prendendo. Virei de frente pro sujeito, cujos olhos brilhavam em meio a escuridão. De pronto, o cara, surpreso, aponta pra camiseta que eu estava vestindo: "Bukowski, só nao tenho o terceiro livro dele e Escrever Para Nao Enlouquecer eu ainda quero ler".

"Opa!", pensei. "Nao é todo dia que um andarilho te aborda para falar de literatura. Não é mesmo?"

Dei conversa. Lhe contei que na última quarta comprei Misto Quente e Mulheres, dois dos livros de Bukowski que ele ja tinha lido. Ele me presenteou recitando um de seus poemas. Me falou que, assim com o velho safado Buk, metade dele pensa em mulher e a outra em álcool. Rimos da piada infame.

Depois me perguntou se eu conhecia Baudelaire. Lhe respondi que um dos primeiros livros que comprei, ainda adolescente, foi Flores do Mal. O clássico dos clássicos de Baudelaire. Depois, passamos pra Fernando Pessoa e concordamos que um dos maiores escritores brasileiros é, sem dúvidas, Machado de Assis. Conversamos por mais de trinta minutos. Entre autores, livros e citações, mal vimos o tempo que passava.

Quando estava prestes a me despedir, lembrei de perguntar o seu nome. Na minha cabeça, ele tinha cara de Baltazar. Sotaque de argentino já tinha. "Victor, me chamo Victor". Antes de me afastar, já me despedindo do maltrapilho com quem tive a honra de ter uma das conversas mais cultas dos últimos tempos, Victor me interrompe, estentendo a mão com uma pulseira. "Leve, Jornalista Manoella. É um presente meu pra você!".


Agradeci enquanto ele amarrava sua peça de arte no meu braço direito: "Esta pedra significa a força. Ela é poderosa contra o mau olhado, guria. E pense bem, uma pessoa que veste Bukowski deve ter muita proteção. Nao se encontra em qualquer esquina". Eu lhe respondi: "Só se encontra na esquina da Morom com a Chicuta". Apontando pra placa que estava logo à frente de Victor. O deixei rindo. Segui meu caminho, satisfeita por ter optado em parar, já que pessoas como Victor costumam parecer invisíveis, mesmo quando estão na claridade do dia. Victor é um daqueles homens que jamais são percebidos e no meu caminho de volta, um sorriso apareceu naturalmente no meu rosto... É porque certas coisas me fazem sorrir.

Conhecer Victor, foi uma delas.


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